sexta-feira, 3 de abril de 2009

Documentário: Pro dia nascer feliz

- - - de Rafael, para o na Vitrine.


"Às vezes eu acho que é um pouco violento esse jeito como se vive: as pessoas têm que deixar de lado aquilo em que acreditam para se conservar vivas."
MAYSA, 16 anos
"Eu tenho medo de coisas, assim, totalmente complexas e grandiosas, como o medo da morte, o que acontece depois da vida, quem sou eu, o que vai acontecer comigo."
THAIS, 15 anos
"Eu deveria ter uma péssima impressão da vida se não fosse a paixão que tenho pela arte de viver."
VALÉRIA, 16 anos


Com seu estilo solto, uma visão aparentemente imparcial e depoimentos com assuntos para lá de aleatórios, o documentário “Pro Dia Nascer Feliz”, de João Jardim, constitui-se como um verdadeiro vitral, onde a realidade da educação brasileira é mostrada tão íntima quanto seria possível. Na verdade, a coerência que adquire decorre principalmente de sua não objetividade e, assim, fica clara a visão que a pedagogia vem disseminando, de que o momento escolar não é parte da vida, mas a própria vida de milhares de estudantes.

O ponto de apoio estrutural da narração é o famoso conflito educação pública/educação particular. São três os principais estabelecimentos de ensino que pude distinguir claramente como locus de pesquisa: uma escola pública de condições precárias, em uma das cidades mais miseráveis do país; uma escola pública de alta qualidade, equiparável em resultados com escolas da rede particular; e, por fim, uma escola particular de classe alta na grande São Paulo. Nestes contextos contrastantes, as câmeras nos levam pela vida dos estudantes a eles submetidos, pelo trajeto casa-escola, escola-casa de crianças reféns da rotina, pelos sonhos e discursos destes jovens, pelos medos, inseguranças, por suas conquistas e decepções.

A escola nem sempre está em primeiro plano nas problematizações postas, mas está sempre por ali, mesmo que em segundo plano, atestando sua influência onipresente. E o que se pode perceber facilmente é que, apesar de sua pretensão, a escola não dá segurança de futuro para nenhum dos jovens entrevistados. Não é que sua influência seja sempre atacada e estigmatizada. Não, em muitos momentos, é possível mesmo identificar processos em que a escola se torna protagonista, trazendo contato pessoal e metas, dando significado à vida de seus discentes. No entanto, ela parece uma instituição sempre deslocada, sempre artificial, levando o aluno para universos que não são seus e que talvez nem lhe interessem.

A complexidade de articulações é ainda evidenciada quando é dada voz também aos professores, tantas vezes recriminados e apresentados de forma vilanesca. Não é possível, é claro, retirar das mãos destes profissionais a responsabilidade por seus atos – responsabilidade esta muito grande, por sinal. Mas também não se pode negar a desvalorização injusta e a perda total de dignidade deste setor tão importante numa sociedade como esta em que vivemos.

Por fim, são o foco abrangente e a pluralidade de situações que conferem a este documentário a notoriedade que merece. É quando a escola é mostrada em sua essência mais humana, mais encrustada na vida de tanta gente ao mesmo tempo, mostrada mesma como reflexo e simultaneamente causa de uma sociedade desigual e cruel, mascarada e hipócrita; é apenas assim que se pode imaginar (porque ainda assim, definir me parece impossível) a abrangência deste poder instituído, a força deste personagem tão presente cultural e socialmente ao longo da história.

É assim que crítica e elogio foram atingidos com igual sutileza e importância.


(Essa é uma resenha que fiz ano passado, para a aula de didática. Reli agora, depois de uma conversa breve sobre o filme com a Marina, e achei propício. Se puderem, assistam.)

Um comentário:

Felipe Sclengmann disse...

Adorei seu blog...
Quero aproveitar para te convidar para visitar meu blog... Comecei na semana passada, mas já dá para ter uma idéia do que quero com ele...
http://jadorelecinema.blogspot.com
Abraço!
Felipe Sclengmann

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na Vitrine.