terça-feira, 24 de agosto de 2010

Os Fidalgos da Casa Mourisca

- - - de _Renata, para o na Vitrine.


Esse post na verdade é uma resenha que eu tive que escrever sobre um dos livros do semestre de Romantismo Português. Não é exatamente uma recomendação, apesar de eu ter gostado do livro, mas mais uma análise feita a partir das teorias que estudamos na matéria.
Eu só vou colocar mesmo porque tem muito tempo que não publico nada xD
Não leiam se não quiserem. Nem vai ter figuras, porque eu não achei uma imagem decente relacionada no google.

Os Fidalgos da Casa Mourisca, escrito por Julio Diniz e publicado no ano de 1871 em Portugal, é categorizada como uma obra do romantismo luso, de grande importância para a literatura do país da península ibérica.

Mas em um plano mais político e social, esse livro possui vivo destaque. Com astúcia, qualidade descritiva, enredo interessante, personagens bem desenvolvidos e cenário palpável, o autor preconiza suas visões favoráveis ao liberalismo, a doutrina emergente e revolucionária da Europa do séc. XIX e deliberadamente critica a decadente aristocracia.

A história é narrada de maneira bela e sem linguagem rebuscada, mas ao mesmo tempo, exigindo do leitor vocabulário e interpretação de texto consistentes.

Em uma aldeia portuguesa, uma família fidalga se refugia por anos do fim do absolutismo, em uma mansão conhecida na região como Casa Mourisca.

O senhor da moradia é Dom Luis, nobre orgulhoso, exausto com a tristeza trazida pelos anos. Seu sofrimento maior encontra-se na perda da filha mais jovem, a pura e delicada Beatriz, falecida por doença na adolescência.

O lar reflete perfeitamente seu espírito conturbado. A propriedade nada produz, dependendo de recorrentes dívidas e hipotecas para, fragilmente, se sustentar. A responsabilidade das economias da casa recaem sobre o péssimo administrador, Padre Januário, morador por conveniência do local.

O protagonista do romance figura-se em Jorge, rapaz belo, maduro, de caráter admirável, estudioso e portador de profunda seriedade. É o filho mais velho de Dom Luis, e que ao observar a prosperidade das propriedades vizinhas, em grande contraste com a sua, prontifica-se a regularizar a situação, tornando-se o novo administrador econômico. Uma atitude como essa o rebaixa diante da nobreza, pois o trabalho é visto como função do homem comum, plebeu. A ajuda financeira para tal empreitada é fornecida por Tomé, um agricultor abastado, mas de origem humilde (outrora serviçal da própria Casa Mourisca) e que com esforço evoluiu.

Dentre outras figuras importantes do livro, estão Maurício, o irmão mais novo de Jorge, Berta, a filha de Tomé e Gabriela, a prima viúva da família fidalga.

Maurício é um jovem leviano e volúvel, facilmente impressionável. Diferente do irmão, ele possui hábitos supérfluos mas não é mau caráter. Berta espelha a imagem viva de Beatriz. Graças às condições financeiras do pai, cresceu educada em Lisboa, aprendendo a se portar como uma nobre, mas permanecendo humilde, gentil, delicada e pueril. Já Gabriela é uma mulher experiente da sociedade urbana. Sagaz, intuitiva e atenta, ela busca o melhor para sua família e para si.

Na obra em si, não há uma personagem antagonista principal, entrando em choque direto com Jorge e seus interesses. Há, no entanto, imagens antagônicas que podem ser identificadas. Os primos fidalgos do Cruzeiro, influenciando negativamente Maurício, estão entre essas imagens.

Por isso, todos os conflitos do livro, no fim, resolucionam-se através da argumentação e do diálogo, sem necessitar de batalhas dramáticas, mortes ou fugas.

Jorge e Berta, ao perceberem-se apaixonados, e sendo de classes diferentes, decidem reprimir tal sentimento e escondê-los de seus familiares. Dom Luis, com a força de sua teimosia e orgulho, abandona a Casa Mourisca ao descobrir sobre o empréstimo de Tomé. Esses dois arcos da história tornam-se as principais questões, aparentemente sem solução.

Ao final, uma redenção por parte de Dom Luis ocorre. Seu carinho por Berta, a qual o lembra muito Beatriz, o faz reconhecer que a nobreza não corre no sangue, e sim no espírito de uma pessoa. O casamento é celebrado e Jorge reconstrói, através do trabalho e com dedicação, a propriedade de sua família.

Na verdade, a narrativa toda de Fidalgos da Casa Mourisca é somente um pretexto para o embate entre as filosofias liberais e absolutistas, com a vitória óbvia do liberalismo. O narrador nos manipula a todo momento, através da metalinguagem e de palavras tendenciosas para que sintamos empatia pelos virtuosos Jorge e Berta, torcendo pela sua união e felicidade. Também procura incitar nossa rejeição pela nobreza, afundando-os em vícios e atitudes condenáveis tais como ócio e o jogo.

Gabriela é uma fidalga, mas partidária do liberalismo. Como suas ideias tendem para este lado, as suas ações minuciosamente premeditadas colaboram fortemente para o final harmonioso da obra. Gabriela é em realidade, o instrumento do narrador para o triunfo daquilo que ele considera o “bem”.

Os princípios liberais são exaltados a todo momento. Em uma cena memorável, o escritor português Almeida Garret, falecido alguns anos antes da publicação do livro, é citado entre um círculo de fidalgos decadentes. Pelas visões convergentes com a do próprio narrador, Garret é duramente criticado. Essa cena transborda ironia, provocando também verossimilhança. É como se o autor quissesse que seus personagens mais desprezíveis demonstrassem rancor por seu próprio criador.

Já Jorge, sofre a mais ilustre metarmofose. O labor é sua maior companhia, a concentração e o investimento de capital, seus aliados. A leitura de filósfos iluministas é seu guia. As conquistas de suas aspirações tornam-se para os leitores, inevitáveis.

Na última página do romance, Jorge é intencionalmente classificado como um burguês, um homem respeitado por todos e visto como um exemplo a ser seguido. As últimas linhas até retomam uma citação do início do livro, que mencionava tesouros dos mouros possivelmente escondidos debaixo do solo da casa. Esse tesouro transforma-se então em uma metáfora, desenterrada pelas mãos calejadas mas robustas de Jorge.

Mas grande vitória para o liberalismo, na obra, não está na transformação de um jovem nobre em um burguês competente, e sim na submissão de um ancião absolutista à “sublime” filosofia. Sem a quebra do caráter considerado reacionário de Dom Luís, incitada pelo carinho paradoxal dele por Berta (uma dama sem sangue azul), a mensagem de Júlio Diniz estaria incompleta. Não haveria êxito para o narrador se os amantes tivessem de fugir para realizar sua união ou se Dom Luís morresse antes de abençoar as ações burguesas do filho e o casamento entre as diferentes classes. Nesse ponto, o extremo é essencial: ou o liberalismo domina por completo, trazendo promessas de ventura, felicidade e prosperidade, ou não.

Porém, para atrair o público e espalhar suas ideologias, o autor necessitou escrever seu livro dentro dos padrões vigentes da literatura de seu tempo. Assim, Fidalgos da Casa Mourisca possui elementos distintos do romantismo português, tais como: exaltação da natureza e utilização desta para descrição de sentimentos basicamente egocêntricos como melancolia e nostalgia, idealização da mulher como ser virgem e pueril, dramaticidade nas ações e diálogos e indicações de sentimento nacionalista.

Inclusive, o Patético de Schiller encontra-se profundamente presente na narração. Sendo esse Patético considerado a repressão da emoção através da razão, o ímpeto de não revelar a ninguém, não importando o esforço, o que se passa no interior sentimental da personagem, Jorge e Berta encaixam-se perfeitamente no perfil.

Ele, ao perceber o início de amor que o simples pensamento nela lhe causava, passou a evitá-la ao máximo, concentrando-se em estudos, viagens ou qualquer outra coisa. Seu físico quase não aguentou, ficando em determinado ponto da obra, doente. Já Berta, ao percebe-se apaixonada por Jorge e sem compreender a frieza dele para com ela, aceita um pedido de casamento de outro homem, que mal conhecia. Depois, mesmo sabendo da reciprocidade que possuíam, os dois decidem que ela deve seguir com o casamento, pois acreditavam suas famílias jamais poderiam conceder o matrimônio.

Outra importante característica romântica de Jorge é o seu perfil de herói problemático. Um herói insatisfeito com o ambiente à sua volta, que sai em uma busca degradada, mas degradada de acordo com os valores vigentes. Uma empreitada burguesa em um ambiente nobre, como já visto, com certeza é considerado um ato de rebaixamento.

Por fim, é preciso lembrar que Fidalgos da Casa Mourisca foi escrito em uma época em que Portugal ainda em encontrava-se em uma transição socio-econômica. Para não insatisfazer parte do público leitor, inserido nessa transição, Júlio Diniz lapidou seu principal par romântico, procurando torná-lo verossímil e nivelado. Jorge é o nobre aburguesado. Berta é a burguesa com educação nobre. Sem esses elementos, o romance perderia boa parte de sua calculada e complexa confecção.

2 comentários:

Anônimo disse...

Parabéns Renata por sua resenha... estou lendo Os Fidalgos da Casa Mourisca e sua explanação me habilita a percepções que não posso deixar de lado. Obrigado por sua ajuda.

Paulo Fernando

Anônimo disse...

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